Ainda criança eu desenhava nas minhas próprias roupas, e não demorei a Ainda bem jovem eu já desenhava nas minhas próprias roupas, e não demorei a decidir que eu queria trabalhar desenhando estampas.
Na época da faculdade o meu plano era basicamente me formar em Desenho Industrial, desenhar para algumas marcas bacanas por alguns anos, e um dia abrir a minha própria marca de T-shirts (que é a peça de roupa que eu mais gosto).
No final da faculdade eu consegui um estágio em uma marca bacana, e em 6 meses eu já estava desenhando estampas profissionalmente.
Mas com o tempo percebi que criar uma marca de roupas realmente bacana não seria um desafio simples nem rápido, e deveria ser muito bem avaliado…
Há muitos anos o padrão da indústria da moda se baseia em produzir cada vez mais roupas, cada vez mais rápido, com o menor custo possível, enquanto estimula o constante consumo a cada nova coleção. Essa é a lógica do “fast fashion” que com suas enormes produções e preços super atraentes, vem causando graves e crescentes danos sociais e ambientais.
“A indústria das roupas é responsável por 10% das emissões globais de carbono, e é o segundo maior poluidor industrial global, atrás apenas do petróleo.”
“A produção de roupas duplicou do ano 2000 a 2014, e o número de peças compradas anualmente pelo consumidor médio aumentou 60%.”
Diante desses dados desanimadores, decidi pesquisar mais profundamente sobre a sustentabilidade na indústria da moda, e assim conheci novos conceitos, movimentos, pessoas e empresas que estão não só influenciando positivamente o setor, como causando diversos níveis de impactos sociais, culturais, ambientais e econômicos positivos.Em 2007 a pesquisadora, designer e ativista Kate Fletcher criou o termo Slow Fashion, que se transformou em um movimento mundial em prol da desaceleração da produção e do consumo de roupas.
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O movimento Slow Fashion foi inspirado no movimento Slow Food, criado por Carlo Petrini na Itália em 1986 como resposta ao Fast Food. O objetivo do Slow Food é promover uma maior apreciação da comida, melhorar a qualidade das refeições, valorizar o produto, o produtor e o meio ambiente. Essa lógica Slow deu origem a diversos outros movimentos que surgiram como resposta ao atual estilo de vida ultra acelerado, hiperativo, ansioso, compulsivo e desequilibrado de boa parte da nossa sociedade.
Entre as principais características de marcas Slow Fashion, temos:
· Roupas de alta qualidade, duráveis;
· Matérias primas sustentáveis;
· Produção local com salários justos;
· Produções pequenas;
· Estilo e modelagens clássicas / atemporais;
· Transparência na cadeia produtiva.
Em 2019 a Revista Exame fez uma reportagem sobre o movimento Slow Fashion, e citou alguns importantes projetos brasileiros como o Portal ECOERAda stylist e consultora de moda Chiara Gadaleta:
“O Portal ECOERA é o resultado de um trabalho conjunto, uma força tarefa que envolveu empresários, profissionais liberais, artesãos, designers, jornalistas, e participantes da sociedade civil, todos movidos pelo mesmo propósito: fazer diferença na sociedade e no meio ambiente. Nossos focos são os setores de MODA, BELEZA, DESIGN E GASTRONOMIA e estamos embasados nos quatro pilares da sustentabilidade: ambiental, social, cultural e econômico e nos orientamos pelos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.”
Siga o Portal ECOERA no Instagram.
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Os “Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável” da ONU foram criados em 2015, e servem como guia de conduta para governos, empresas e pessoas. Os objetivos visam estimular ações globais até 2030 em áreas de importância crucial para a humanidade. Muitas dessas ações têm ligação direta com a indústria da moda, como por exemplo:
- Promover a agricultura sustentável;
- Promover a industrialização inclusiva e sustentável;
- Promover um crescimento econômico sustentável;
- Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos;
No total são 17 objetivos subdivididos em 169 metas que você pode conhecer detalhadamente aqui.
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Outro importante movimento que surgiu para frear os crescentes abusos da indústria da moda é o Fashion Revolution. Criado em 2013 após o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, que causou a morte de 1.134 trabalhadores da indústria de confecção que trabalhavam para marcas globais em condições análogas à escravidão.
Com a campanha #QuemFezMinhasRoupas o Fashion Revolution atua em mais de 100 países (incluindo o Brasil), conscientizando os consumidores sobre a procedência das suas roupas, sobre os impactos de cada etapa da produção, sobre a importância do consumo consciente, e promovendo assim uma mudança de mentalidade e comportamento nos consumidores, empresas e profissionais da moda.
“Nós queremos que você pergunte: ‘Quem fez minhas roupas?’. Essa ação irá incentivar as pessoas a imaginarem o “fio condutor” do vestuário, passando pelo costureiro até chegar no agricultor que cultivou o algodão que dá origem aos tecidos. Esperamos iniciar um processo de descoberta, aumentando a conscientização de que a compra é apenas o último passo de uma longa jornada que envolve centenas de pessoas, e realçando a força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos”.
Orsola de Castro — Co Fundadora Fashion Revolution
Siga o Fashion Revolution Brasil no Instagram
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Também para ajudar a dar rumos sustentáveis para a indústria da moda, foram criadas diversas certificações com rígidos critérios que visam garantir a produção de matérias primas, tingimentos e acabamentos sustentáveis, além de condições dignas de trabalho.
Entre as principais certificações globais, temos:
- GOTS (Global Organic Textile Standards);
- BCI (Better Cotton Initiative);
- OCS (Organic Cotton Standard);
- Higg Index;
- Oeko-Tex;
- Global Recycled Standard;
- Cradle to Cradle;
- EU Ecolabel;
- Fair Wear Foundation;
- Fairtrade Textile Standard;
Da próxima vez que você for comprar roupa naquela marca que você ama, pergunta pro vendedor com quais certificações eles trabalham 😉
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Quando escolhi estudar Desenho Industrial, eu não tinha ideia das responsabilidades de um designer, na verdade eu só queria mesmo era desenhar estampas e ser feliz.
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“As decisões tomadas na concepção de um projeto são responsáveis por oitenta a noventa por cento dos custos ambientais e económicos de um produto.”
Graedel et al. 1995
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Desde 1996 o TED se dedica a desenvolver e refinanar o The TEN, um conjunto de estratégias sustentáveis para designers e profissionais da moda criarem tecidos e soluções que reduzam o impacto dessa indústria ao meio ambiente. É tão potente, que seguindo essas estratégias, surgiram ao redor do mundo diversos projetos de pesquisa e desenvolvimento que exploram diferentes aspectos do design, tecnologia e sustentabilidade aplicados à moda.
OMISTRA Future Fashion, por exemplo, é um desses projetos. Trata-se de um programa de pesquisa multidisciplinar iniciado em 2011, fundado pela Mistra, uma fundação de pesquisas ambientas estratégicas da Suíça. Seu objetivo é propor soluções de economia circular que aprimorem a performance ambiental da moda no país, e tornem as empresas locais mais competitivas globalmente.
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No Brasil nós também temos diversas iniciativas e empresas fazendo muito bonito nesse caminho da moda sustentável, por exemplo:
A designer têxtil Leka Oliveira criou o Studio In Blue Brazil, especializado em tingimentos naturais. A Leka produz os seus próprios pigmentos a partir de matérias primas biodegradáveis provenientes de fontes renováveis, e aplica diferentes técnicas de tingimento e impressão, como shibori, block printing, e eco printing. Ela também ministra fantásticos workshops de tingimento natural junto com o ambientalista e designer têxtil Eber Lopes. Lá se é introduzido no fantástico mundo da alquimias dos tingimentos naturais ❤ Já cursei o módulo 1 (recomendo!), e pretendo cursar o módulo 2 na próxima turma.
Siga o Studio Inblue Brazil no Instagram.
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Gabriele Mazepa criou oRe-Roupa, um projeto de moda upcyclingque propõe a criação de roupas novas a partir de roupas antigas e materiais descartados. Segundo a própria Gabriele declarou para a Casa de Criadores,
“o Re-Roupa é um laboratório de produção de roupas e ideias que preza pelo ambiente criativo e criação de cultura com a finalidade de intervir na lógica do sistema produtivo da moda. O que é considerado lixo para muitos na indústria da moda é a nossa matéria-prima. O caminho para a materialização das peças é, muitas vezes, através de atividades coletivas realizadas em oficinas de criação em diversos lugares”.
A produtora executiva de modaNatacha Lopes Barros e o designer austríaco Gerfried Gaulhofer criaram a PanoSocial, um negócio social que além de produzir peças de roupa utilizando somente matérias primas orgânicas e recicladas, capacitam e empregm ex-detentos na sua linha de produção.
Além da marca própria, eles produzem roupas pra outras empresas pequenas (como eu), e para grandes players globais como Greenpeace, Korin e C&A. Sim, a moda também pode estar a serviço da paz social. ❤
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A estilista Mirella Rodrigues criou a Think Blue Upcycled, um projeto de moda upcycling focado no jeans, um tecido que custa caro ao meio ambiente.
“A fabricação de uma calça jeans consome 11.000 litros de água.”
Com muitos garimpos, criatividade, dedicação e talento, Mirella produz à mão saias, calças, vestidos, macacões, shorts, tops… e cada peça é única, ótimo para quem curte uma exclusividade.
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Barbara Mattivy criou a Insecta Shoes para produzir sapatos e acessórios veganos e ecológicos, com estampas elegantes e cores vivas.
“Nós tentamos ao máximo tirar materiais que estão no lixo e ressignificá-los, transformando tudo em sapato.”
Barbara Mattivy
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A Zerezescomeçou entre amigos usando o laboratório de prototipagem da faculdade, e criando óculos a partir de madeiras nobres descartadas. Luiz Eduardo Rocha, Henrique Meyrelles e Hugo Galindoproduzem tudo artesanalmente, e usam o design a favor da criação de produtos de alto padrão.
“Criar produtos de alta qualidade, que durem por anos e que possam ser reparados, é uma das coisas mais responsáveis que podemos fazer enquanto empresa para o mundo.”
Zerezes
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Tem muita gente boa por aí colocando a criatividade a serviço do bem comum, e criando empresas excepcionais que nasceram a partir de propósitos fortes, que quebram paradigmas antigos, e geram cada vez mais impactos positivos.
Como consumidores nós também temos o poder de influenciar a indústria através das nossas compras. Nós já entendemos a importância do exercício contínuo da reflexão, do questionamento, da procedência, da transparência, do respeito, e de tantos outros conceitos que ampliam e afiam a nossa consciência. Consumir é um ato político, cada compra é um voto.
E como nós consumidores podemos reduzir os impactos nossos de cada dia no uso/consumo de roupas?
1. Comprando menos;
2. Comprando de marcas sustentáveis;
3. Procurando produtos com certificações reconhecidas;
4. Preferindo fibras naturais e evitando as sintéticas;
5. Escolhendo melhores qualidades;
6. Tentando ressignificar a roupa, ou vender ou doar, ao invés de jogar no lixo;
7. Alugando ao invés de comprar;
8. Pedindo emprestado ao invés de comprar ou alugar;
9. Comprando em lojas de segunda mão;
10. Programando a lavadora de roupas para gastar o mínimo de água possível;
11. Evitando a secadora.
Totalmente possível, não é mesmo?
Eu sou viciado em brechós. Boa parte do meu guarda roupa é feito de peças garimpadas alegremente por esse mundão a fora. Eu me orgulho disso não só pela sustentabilidade, mas também pela economia e pelo estilo. No fim das contas eu entendi que o mais sensato é ter poucas (e boas) roupas estratégicas que me permitam fazer variadas combinações para as diferentes ocasiões da vida.
Um dos brechós brasileiros que mais gosto é o Belchior Brechó, que além de muita classe, tem peças garimpadas nos melhores brechós do mundo a preços justos, com um atendimento excepcional.
Siga o Belchior Brechóno Instagram.
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Então resumindo, desenhar estampas segue me dando muito prazer (e algum dinheiro), mas a minha satisfação já não está meramente no ato de desenhar (como era antigamente). Hoje eu preciso entender bem os valores e comportamentos dos meus clientes antes deles se tornarem de fato meus clientes. Os projetos que mais me dão tesão são aqueles que envolvem pessoas interessantes que trabalham respeitosamente em prol de algo relevante. Trabalhamos melhor quando trabalhamos por algo que acreditamos, e é libertador poder eventualmente dizer um elegante “não” para projetos e pessoas com as quais não nos identificamos. Curadoria economiza tempo de vida e faz bem pro coração.
Eventualmente produzo pequenas tiragens de T-shirts sustentáveis, que eu mesmo estampo com muito carinho para vender e dar de presente. Agora estou preparando uma nova fornada especial, e em algum momento de 2020 vou lançar minhas primeiras T-shirts de cânhamo pensadas para durar a vida inteira ❤ Aliás, você sabia que o cânhamo é uma matéria prima muito mais resistente e sustentável do que o algodão? Pois é, vou escrever sobre isso em um artigo futuro. Se quiser saber com antecedência sobre o lançamento dessas T-shirts de cânhamo, cadastra seu e-mail aqui 😉
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E aí, você já conhecia o movimento Slow Fashion? Já tinha pensado sobre a procedência das suas roupas? Já conhecia alguma certificação? Já conhecia alguma dessas marcas que eu citei? Recomenda alguma outra marca bacana? Recomenda algum brechó especial em algum lugar do mundo? Tem alguma outra dica pra reduzir os nossos impactos no consumo de roupa? Tem alguma dúvida, crítica construtiva, ou sugestão? Sua opinião importa!
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Sobre o autor
Marcel Serrano é desenhista desde criança, se graduou em Comunicação Visual na UFRJ, se pós graduou em Design Estratégico na ESPM, se especializou em estamparia desenhando por 9 anos para algumas das principais marcas de moda do Rio de Janeiro. Atualmente é nômade digital, criativo visual, e se dedica a usar a criatividade para gerar impactos positivos através do design, da moda e da arte.
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