“Transparência e traçabilidade são “a divulgação de informações relativas às matérias-primas, fabricantes e fornecedores, para que todas as partes interessadas, incluindo os consumidores finais, tenham um quadro completo e preciso do impacto ético e ambiental de um produto.”
– Robb Young em entrevista para Fibre2Fashion – 2014
A demanda global por transparência na indústria da moda passou a aumentar significativamente a partir de 2013, após o desastre do edifício Rana Plaza em Bangladesh, que matou mais de 1.000 pessoas, feriu mais de 2.000, e alertou o mundo para as péssimas condições de trabalho dessa indústria. Logo após o desastre, foi criado o Fashion Revolution, uma campanha / movimento global formado por diversos líderes do setor, orientados pelos direitos humanos, e pela sustentabilidade na produção e no consumo. A campanha #QuemFezMinhasRoupas é uma das importantes ferramentas que eles usam para promover a cultura da transparência, que ainda é uma prática restrita a poucas marcas, e exigida por poucos consumidores.
“A transparência é apenas o início da jornada. A transparência é uma importante ferramenta porque orienta as empresas a uma cultura de autoanálise e prestação de contas, que, por sua vez, leva a mudanças na forma como os negócios são conduzidos e, consequentemente, melhora as condições de trabalho e de práticas socioambientais na indústria.”
“Estamos fazendo campanha por uma indústria onde a proteção ambiental, assim como os direitos humanos, são o padrão e não a exceção”
Carry Somers – Co Fundadora do Fashion Revolution
Em 2016, o Fashion Revolution criou o Índice de Trasnparência na Moda (Fashion Transparency Index), um relatório anual que ranqueia as empresas de moda de acordo com a quantidade de informações que elas divulgam sobre as suas políticas sociais, ambientais, e os processos da sua cadeia produtiva.
Entre as marcas globais mais transparentes no relatório de 2020 estão a H&M, C&A, Adidas/Reebok, Espirit, Marks & Spencer, Patagonia, The North Face, Timberland e Vans.
Ferramentas e Metodologias
Além do Fashion Revolution, existem outras instituições, ferramentas e metodologias que orientam as marcas de moda nessa jornada rumo às melhores práticas da sustentabilidade.
Uma dessas ferramentas é o relatório anual The State of Fashion, produzido pela McKinsey, em parceria com o Business of Fashion.
Na edição do relatório de 2019, a transparência radical foi indicada como uma das dez principais tendências do mercado. Na edição especial de 2020, sobre a crise gerada pelo COVID-19, o relatório sinaliza que a conscientização dos consumidores tende a aumentar durante e após a crise, aumentando junto a demanda por transparência. Segundo o relatório de 2019, os millennials estão na vanguarda do consumo consciente, com 52% afirmando que sempre pesquisam por informações antes de comprar, em comparação com 45% dos consumidores da geração Z, e 41% dos baby boomers;
A Fundação Ellen Macartur também é uma referência no setor, e em 2017 divulgou o relatório “New textiles economy: Redesignin fashion’s future”, que apresenta uma visão ambiciosa de um novo sistema, baseado nos princípios da economia circular, que oferece benefícios tanto para a economia, quanto para a sociedade e para o meio ambiente;
O Global Reporting Initiative (GRI) é uma organização holandesa que desenvolve o relatório de sustentabilidade mais utilizado no mundo; ajuda empresas e governos a entenderem e comunicarem melhor os impactos que geram através de relatórios robustos;
O Higg Index é um conjunto de ferramentas desenvolvidas pela Apparel Coalition, que ajudam as empresas a avaliarem as performances dos desempenhos sociais e ambientais de suas produções;
A Life cycle assessment (LCA), ou Análise do Ciclo de Vida, avalia os impactos ambientais diretos e indiretos de cada produto desde a sua concepção, extração das matérias primas, manipulação industrial, transporte, uso e descarte;
Certificações
A indústria da moda também produz as suas Fake News, e o Greenwashing é uma das armadilhas que precisamos ficar atentos para não cair.
Nós, consumidores cada vez mais conscientes, temos um importante papel na evolução da indústria, e uma das ferramentas que contamos na hora de comprar uma peça de roupa sustentável é perguntar se ela possui alguma certificação. Existem diversos tipos de certificações reconhecidas mundialmente, cada uma delas utiliza diferentes parâmetros e critérios técnicos para classificar os produtos segundo às suas especificidades. Aqui vão 10 certificações reconhecidas globalmente pra você ficar de olho:
1. Better Cotton Initiative (BCI) – é uma organização global sem fins lucrativos que conduz o maior programa de sustentabilidade de algodão do mundo. No Brasil, eles atuam junto à ABRAPA, que criou a certificação Algodão Brasileiro Responsável (ABR);
2. OEKO TEX – é uma importante entidade formada por 18 institutos de pesquisa independentes na Europa e no Japão que, juntos, criaram 6 tipos de certificações para diferentes aplicações;
3. Global Organic Textile Standard (GOTS) – é uma certificação específica para produtos feitos de fibras orgânicas. O GOTS define rigorosos critérios ambientais e sociais ao longo de toda a cadeia de produção dos tecidos orgânicos;
4. Cradle to Cradle (C2C) – Essa certificação vai bem além da moda, e garante diferentes níveis de sustentabilidade a produtos como cadeiras, garrafas, embalagens, pisos, papel de parede, peças de carro…
5. Bluesign – Selo suíço criado no ano 2000 com objetivo de motivar fornecedores, fabricantes e marcas a reduzir o impacto geral dos seus têxteis, com um foco especial nos produtos químicos utilizados;
6. Fair Wear Foundation – É uma certificação que se baseia em padrões internacionais dos direitos humanos, para promover e garantir condições dignas de trabalho em confecções e fábricas em países como Bangladesh, Bulgária, China, Índia, Romênia, Tunísia, Indonésia, Turquia e Vietnã;
7. Fair Trade Certified – É uma certificação muito utilizada na indústria alimentícia, mas também se aplica à moda. Através de produções que garantem as condições de trabalho adequadas, e às vezes salários acima do valor de mercado, as marcas associadas a esse selo estão ajudando comunidades de alguns dos locais pobres do planeta a se desenvolverem dignamente;
8. ECOCERT – Outra certificação que vai bem além dos produtos têxteis, e há quase 30 anos garante boas práticas industriais ao longo de toda a cadeia produtiva de produtos de diversos setores. Eles também oferecem consultorias, treinamentos e capacitações como plantações orgânicas, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável…
9. B Corporation – Também presentes no Brasil, as empresas do Sistema B atuam em diferentes setores. As empresas com esse selo atendem a altos padrões de desenvolvimento social, ambiental, transparência, e utilizam os seus negócios para impactar positivamente a indústria através do almejado equilíbrio entre lucro e propósito;
10. People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) – Os animais também têm todo o direito a tratamento ético, e as marcas de moda que utilizam esse certificado estão dizendo que seus produtos são veganos. O certificado é emitido de boa fé mediante o pagamento anual de uma taxa, mas a comunidade vegana global está atenta aos movimentos das marcas, e não deixa passar produtos que não cumprem o que prometem.
Tecnologias transparentes
Com a crescente demanda por sustentabilidade e transparência, surgem ferramentas tecnológicas que possibilitam novas formas de produzir e consumir.
Em 2017, a designer inglesa Martine Jarlgaard, descrita pela FORBES como uma “pioneira tecnológica, criou uma coleção de roupas com toda a cadeia produtiva totalmente mapeada com blockchain;
Mas o que é exatamente blockchain, e como funciona?
“É um sistema descentralizado e distribuído que armazena registros de transações sequencialmente. Em outras palavras, é uma ferramenta técnica que possibilita às empresas armazenarem e transmitirem informações através de toda a sua cadeia de fornecedores – dos produtores aos distribuidores, com total transparência e de forma segura. No setor varejista, o blockchain gera um QR code, que é posteriormente atribuído a cada peça de roupa – esse código pode rastrear o histórico completo desta peça.”
Elisabeta Tudor – Can Blockchain Save the Fashion Industry? – NOWFASHION
Empresas de tecnologia como a TextileGenesis, a Provenance e a Swearit, são especializadas em blockchain, e prestam um serviço que simplifica a vida dos consumidores ao lhes proporcionar um acesso simplificado e valioso às importantes informações sobre a procedência de cada produto.
Transparência na moda brasileira
Enquanto algumas marcas começam a se movimentar em direção à sustentabilidade, outras já são criadas com um DNA carregado de propósitos.
Em 2013 nasceu em São Paulo o Instituto Alinha, uma empresa social que trabalha para garantir relações mais justas na indústria da moda nacional.
“O Instituto Alinha assessora pequenas oficinas de costura para garantir que elas tenham um mínimo da legislação trabalhista, de regulamentação e formalização, saúde e segurança do trabalho para que, depois de assessoradas e em um patamar mínimo de regularização, elas possam ser conectadas com marcas e estilistas que estão buscando produzir de forma que garanta condições justas de contratação”
– Dariele Santos, co-fundadora da Alinha em entrevista para Modefica
Em 2018 o Instituto Alinha passou a adotar a tecnologia blockchain para garantir a traçabilidade das suas produções.
Em 2017 nasceu em São Paulo o Brasil Eco Fashion Week, um evento que além de dar visibilidade para marcas nacionais sustentáveis, promove palestras, workshops, mentorias, rodadas de negócios, e levanta importantes bandeiras como cultivos agroecológicos e regenerativos, economia circular, certificações, upcycling, biodesign, comércio justo, transparência e traçabilidade.
Em 2018, o Brasil foi o país escolhido pelo Fashion Revolution para receber o primeiro Fashion Transparency Index dedicado exclusivamente a um país. Não por acaso, afinal, o Brasil é um dos principais polos têxteis do mundo, o quarto maior parque produtivo global de confecção, e a única cadeia têxtil completa do ocidente.
Em 2019, a edição nacional do índice analisou as 30 maiores marcas atuantes no mercado brasileiro, e as mais bem posicionadas no ranking da transparência foram C&A, Malwee, Renner, Osklen e Havaianas.
A academia também desempenha um importante papel no desenvolvimento da indústria nacional. A Rede Transparência e Sustentabilidade em Negócios, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da UFRJ, é um grupo de pesquisa que desenvolve importantes trabalhos, como o Overview da Transparência no Brasil encomendado pelo Istituto C&A; o Relatório técnico do impacto sócio ambiental da coleção de verão 2018 da Osklen (As sustainable as possible); e desde 2018 trabalham em parceria com o Fashion Revolution para produzir o Índice de Transparência da Moda Brasil.
A Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) também é uma ferramenta que atua a favor das boas práticas na indústria da moda brasileira. É reconhecida por suas iniciativas em prol da prestação responsável e transparente dos serviços em toda a cadeia produtiva industrial.
Enfim
A má fama global da indústria da moda está levando cada vez mais clientes a demandarem por transparência, e isso está levando as marcas a serem cada vez mais criteriosas nos seus projetos e processos. O relatório The State of Fashion 2019 sugere que as marcas de moda identifiquem os seus pontos fracos no quesito confiança, e se questionem: “O que os meus clientes pensariam se esse meu ponto fraco estivesse na capa dos jornais?”
Para quem não tem o que esconder, transparência não é um problema.
E você, sabe quem fez as suas roupas?
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Sobre o autor:
Marcel Serrano é desenhista desde criança, se graduou em Comunicação Visual na UFRJ, se pós graduou em Design Estratégico na ESPM, se especializou em estamparia desenhando por 9 anos para algumas das principais marcas de moda do Rio de Janeiro. Atualmente é comunicador visual freelancer, cria identidades visuais, estampas, ilustrações, e busca parcerias que gerem impactos positivos através do design, moda e arte.
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